21 de dezembro de 2009

Eu não sei quem é o cara e nem se eu devia dar moral pra ele. Eu devia desconfiar, já que foi leitura de banheiro. Mas gostei do texto. Sou super a favor de trabalhar o silêncio, apesar de ser uma das que "fala pelos cotovelos".


Palavras cruzadas (Tião Martins)

Nunca ouvi alguém “falar pelos cotovelos”, embora autores festejados e de grande respeitabilidade registrem em seus livros tão estranha habilidade. Nem dá para imaginar como seria o som emitido por esta que é uma das partes mais discretas e menos valorizadas da anatomia humana, embora desempenhe papel importante na vida de certas pessoas.

Se aceitarmos o depoimento dos tais autores e acrescentarmos aquilo que aprendemos com a nossa própria experiência, há pelo menos três situações em que os cotovelos deixam de ser meros figurantes no espetáculo e ganham status de personagens centrais na comédia humana.

Em primeiro lugar, servem para que os bêbados contumazes escorem todo o seu peso sobre o balcão dos botecos. Já imaginaram quantos escorregariam para o chão, se não fosse essa invenção providencial do Criador?

Em momentos mais dramáticos, quando o portador acaba de levar um chega pra lá da mulher amada, é nos cotovelos que se concentra toda a mágoa pelo inesperado abandono. Aí, os cotovelos – que você nem lembrava que tinha – costumam doer.

E, finalmente, se acreditarmos na literatura, há seres humanos que falam pelos cotovelos (deputados, apresentadores da TV e pessoas do sexo feminino, estas últimas quando se referem às pechinchas que adquiriram ontem, se suspeitam da fidelidade dos maridos ou nas raríssimas ocasiões em que comentam os amores secretos das amigas, assim como as roupas e os sapatos que elas usam).

Os mineiros sempre tiveram fama de falar pouco, para não serem apanhados em flagrante cumprimentando alimárias quando nasce o dia. Mas tudo muda, para pior ou melhor, e hoje há mineiros e mineiras que falam demais, ainda que não esteja por perto um cavalo, para receber os votos de um dia feliz. Aliás, se considerarmos o conteúdo e a qualidade de certas conversas que a gente ouve por aí, seria muito mais útil falar com um cão, um gato ou um cavalo. Sei de gente que tira maior proveito desses colóquios que do tempo que gastam ouvindo o tagarelar de certas madames, que passam horas falando do funcionamento diário dos seus intestinos.

Não é por ser mineiro à moda antiga (ou talvez seja) que prezo a economia de palavras. É que considero a palavra das poucas coisas interessantes que inventamos, em milênios de peregrinação pela face do planeta, desde que assumimos a posição de macacos eretos.

Entretanto, se você testemunha dez minutos de conversa entre quatro pessoas de qualquer sexo, todas falando ao mesmo tempo e nenhuma delas ouvindo o que a outra diz, terá motivo mais que suficiente para concluir que a fala não foi invenção tão inteligente assim. Ou, se foi útil um dia, há muito deixou de ser.

Raramente se tem o prazer, em nosso tempo, de ouvir uma honesta troca de ideias. Da mesma forma que motoristas atropelam pedestres que impeçam sua velocidade, os conversadores elevam o tom de voz para calar os demais.

Não há mais interlocutores, no sentido que esta palavra teve antigamente, mas adversários ansiosos para derrubar o oponente. Como nas lutas de boxe, as palavras cruzam o espaço para encantoar o inimigo e empurrá-lo para as cordas, até que seja possível aplicar o golpe final e levá-lo ao solo. Ou ao silêncio.

Quando as palavras deixam de ser um espaço de sociabilidade e entendimento, para ganhar o aspecto de uma guerra (às vezes com troca de flechas envenenadas), dá vontade de conversar mansamente com uma galinha, um bezerro ou um camelo, que podem até não responder, mas pelo menos ouvem. Como diz o meu amigo doutor Fontes, advogado de mínima clientela e servo da palavra, das ideias e da expressão exata, “não é que as palavras perderam o sentido e o valor para a humanidade. É que hoje as línguas são autônomas, separadas do cérebro, e já não se faz gente como antigamente”.